sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Seis anos sem Ranilson França


Há seis anos Alagoas perdia um de seus mais queridos e respeitados cidadãos, mas não um cidadão comum, um que extrapolou sua própria existência e suas obrigações de simples alagoano de Chã do Pilar. Ranilson era um apaixonado, um curioso fervoroso. Gente simples e gente boa. Gente como tantos outros, mas com um coração que pulsava como um trupé de Guerreiro ou de coco, que sempre motivava e conquistava cada vez mais admiradores da cultura popular.

Um de seus maiores méritos, foi ter “dado nome” aos mestres e dançadores, pois ao invés de se referir às pessoas que participavam das danças, folguedos e demais brincantes como “o mateu”, o dançador”, “o mestre”, ele valorizava o ser humano por baixo das indumentárias, a partir daí, por exemplo, “o mateu” do Guerreiro de Joana Gajuru, ficou conhecido por Mestre Verdelinho, outro saudoso defensor e difusor de nossa cultura popular, que se postava como mais um “soldado” ombro-a-ombro com Ranilson , na luta pelas tradições populares.


Ranilson  pôs na cabeça em 1997 que o extinto Fandando do Pontal da Barra teria que ser recuperado, e como na época exercia o cargo de Secretário Estadual de Cultura, apesar de não contar com verba alguma, articulou junto à Universidade Federal de Alagoas, através de sua Pró-reitoria de Extensão (PROEX), a retomada dos ensaios do Fandango, convencendo Mestre Isaldino da Costa da importância e viabilidade desse retorno, pois era Isaldino da Costa, então, o último detentor das embaixadas e letras do folguedo, após anos de inatividade. E foi graças a essa ação, que tive a oportunidade de conhecê-lo e à riqueza cultural de nosso estado, pois como estudante de jornalismo, estagiava na PROEX, na Assessoria de Comunicação e junto como meu amigo Marcos Rodrigues (Tchôla), íamos duas vezes por semana à sede da Colônia de Pescadores do Pontal para registrarmos em áudio e em vídeo todos os ensaios do Fandango, vendo a dificuldade encontrada em se tentar restabelecer um grupo, com pessoas, neste caso, pescadores, brutos, que não estavam acostumados a dançar e cantar, mas Ranilson  ia lá estimulava, conversava, levava outras pessoas como estudantes universitários, para presenciar aquele fato. Como não poderia deixar de ser, tudo deu certo e o Fandango se reergueu e, mesmo após a morte de Isaldino, o grupo se mantém forte, sendo o único do gênero em Alagoas. Ali começava minha paixão pela arte popular, coincidindo com o movimento Mangue Beat, de Pernambuco, e devo a Ranilson  essa oportunidade.

Ranilson  era um pesquisador que não se comportava como tal, não havendo distanciamento, muitas vezes recomendado pela Academia, entre ele e seus alvos, muito pelo contrário, Ranilson  se misturava de tal forma que os mestres o viam como um igual.

Ranilson  criou a Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (ASFOPAL) em 27 dezembro de 1985, após ser procurado pelos mestres Juvêncio Joaquim, da Chegança Cruzador São Paulo, de Rio Largo, Jorge Ferreira, do Guerreiro da Ponta Grossa, e Paulo Olegário, do Guerreiro do Tabuleiro, que queriam “levantar a cultura” que estava tão esquecida. Dois anos depois Ranilson  criou e pôs no ar pela Rádio Educativa FM, o programa Balançando o Ganzá, que, anos depois, também ganhou a telinha da TV Educativa.

Ranilson França era funcionário da Secretaria Estadual de Educação e um dos mais respeitados pesquisadores da cultura popular alagoana e discípulo de Théo Brandão, além de ter sido professor universitário e presidente da Comissão Alagoana de Folclore.

Uma vida dedicada à cultura popular, respeitado por seu trabalho, mesmo quando diziam: “O Ranilson  e seus velhinhos desdentados”, expressão jocosa que só o motivava cada vez mais a melhorar a vida dos mestres. Para alguns, Ranilson  era teimoso, mas não se tem idealismo sem teimosia, e era o idealismo de Ranilson  que o mantinha vivo e até mais do que isso, foi esse idealismo que o eternizou na história de Alagoas, mesmo após seu falecimento prematuro, em 14 de agosto de 2006, um dos dias mais tristes e cheio de incertezas dos últimos tempos, pois todos se perguntavam: “E agora, o que será dos mestres e da ASFOPAL sem ele?”. A resposta veio 15 dias depois, quando Mestre Joaquim Juvêncio, Presidente de Honra da ASFOPAL, em reunião assumiu a presidência, naquele 30 de agosto de 2006, e disse: “O professor Ranilson nos deixou órfãos. Agora, mais do que nunca, temos que trabalhar em união. Num trabalho em conjunto com todos os associados, sempre com o mesmo objetivo”, e em seguida Juvêncio passou o bastão para Josefina Novaes, para depois ter sido eleita formalmente, e honrado seu mandato liderando a associação até o ano passado.

Hoje, por força do destino, presido a ASFOPAL, com a missão e responsabilidade de dar seguimento ao trabalho destes 27 anos de história, com um compromisso: honrar a missão que me deram e à memória de Ranilson  França, o Santo Guerreiro de Alagoas, como tão bem definiu Pedro da Rocha em seu documentário sobre Ranilson .

Fica a saudade, a lição e, principalmente, o legado.


Keyler Simões
Jornalista, Produtor Cultural
e atual Presidente da ASFOPAL

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